terça-feira, outubro 11, 2005

Lanterna


Lanterna. Lanterna seria um belo nome comum para ti, uma luz pequena meio tosca que muda cortinas de cenários escuros de tanto negro trazido ás costas como carvão saído de uma mina pelo final do dia, lanterna foi aquilo que foste aquilo que és e que até poderias ser, fazes sentido na noite fazes sentido na representação de uma vida fria no meio dos vazios e dos nadas onde poderia haver tudo.
Aquele lusco-fusco que nos assume os contornos que nos faz diminuir o tamanho das retinas aguçadas pelas lágrimas trazidas pela escuridão insignificantemente porque é na noite que a luz faz sentido que a noite deixa de ser noite e se torna mais mulher mais sexual, mas tu és luz não luz em exagero que faz colocar as mãos como refugio de um rosto sujo onde se notam imperfeições de humanos que fazem de gente sem saber sequer os papeis, és uma luz que deixa alcançar em profundidade as horas corridas não os contornos mas sim as sombras, o que está implícito nas palavras que nunca se ouvem que podiam ser escritas, cantadas, sussurradas, gritadas, sufocadas, mas que são somente oferecidas como presente de laço e papel às cores, um presente que pode ser tão bom e tão mau.
Lanterna mas uma lanterna velha onde se colocam velas presas em cera liquida e quente pelos pés para não perderem o equilíbrio como se faz com as pessoas que andam distraídas de si mesmas, colam-se-lhes os pés no chão da vida para verem o espectáculo até ao fim sem se moverem porque a realidade é um filme para o qual não é necessário tempo para a fila das bilheteiras, a realidade é grátis e obrigatória e mais tarde ou mais cedo todos nos vamos ver nela, uma estrutura de ferro para a luz não se apagar com o violente passar das coisas fugazes e rápidas que escorrem como areia pelas mãos tanta é a que caía mas tão incomoda é a que resta e se agrega em nós como postal barato de recordações efémeras que se cola nessas paredes translúcidas porque até a alma é transparente como as garrafas depois de bebidas onde se encontra o outro lado, como as janelas das paredes que mostram o outro lado o que há depois de tudo, das construções frágeis, dos baldes de massa desfeitos em perpendicularidades e do suor de Inverno que leva comida as bocas ansiosas.
És uma lanterna que serve somente para iluminar noite e dias que ilumina as folhas a serem escritas como esta agora mesmo que haja sol lá fora para vender ou para comprar, iluminas sorrisos dos quais já te esqueceste por teres ouvido as palavras entoadas que não deviam ter nunca nascido, tal como os actos e as aves e os outros animais, os pequenos os grandes, as casas as ruas as vidas as pessoas os papeis a escrita os carros o ar o sol as partículas, nada. Nada disto devia ter sido concebido porque assim a vida seria fácil porque não existiria vida, nem lanternas.
Não faças barulho, quero saber qual é o tom com que se pronuncia a efemeridade deixa-me ouvir a lanterna a queimar a luz que vai apagar.

Sem comentários: