sexta-feira, maio 18, 2007

O sangue dos outros.


Estamos condenados a ver no sangue dos outros a cura das nossas feridas, dos nossos buracos corroidos pelo alcatrão do caminho, e pelos pés de quem gostamos.
Amanhã o sol vai arder de novo, mas hoje é o melhor dia de todos os dias do mundo, e já doem os olhos de nunca ver nada na rua. Já secamos a ferida que tinham deixado a secar na chuva, o rasto de sangue percorreu todos os quilometros da vida para justificar o caminho em que nos dilaceramos. Existe uma enorme quantidade de dioxido de carbono no peito, somos toxicodependentes de sentimentos mutados, de anomalias irreversiveis apontadas nas partes de trás das portas.
Andamos em circulos constantemente, volta, voltamos, voltar, vir, voltaremos, girar, serpentear, todas estas voltas, muito rápido, trocamos os pés, não sabemos andar, ficamos tontos e caímos de pernas para o ar. Amanha voaremos presos pelo pescoço, com as pernas suspensas, com os cabelos a baterem na cara ao ritmo marcado pelo vento.
O sangue dos outros contorna-lhes o sorriso, lava-lhes as expressões que nos são familiares, e retiram-nos a vida que nos custa mais que a eles. A morte dói mais a quem não sente.

sexta-feira, maio 04, 2007

Mortos correm depressa.

Sento-me à sombra da minha nostalgia mórbida, abraço-me a mim mesma formando o nó mais duro da realidade- eu mesma.
Os mortos andam depressa, eu corro com o peso do tédio, com o pó dos dias a fugir de mim, patético de medo. Vou-me cristalizando na sombra, num estado de efevercência, numa resolução organica e harmoniosa de todos os fardos sem peso físico. Nada se resolve, tudo se mantem, sou uma pedra nostalgica, dura, fria, morta. Não sinto. Tudo me atinge e apenas se ve, não existe acto reflexo dentro de mim. Os mortos correm depressa, as pedras não sentem.