Estavam sentadas numa mesa de um café de Lisboa igual a muitos outros. Um café da moda para onde os adolescentes correm depois das aulas para contarem o desastre que é as suas vidas e fumarem uns cigarros. Era um daqueles lugares cheio de cores e padrões, cadeiras de acrilico baratas e outras coisas que eram mera decoração.
Elas já não eram adolescentes, mas gostavam de se encontrar ali, já era quase um hábito. Não valia a pena discutir outro lugar.
Sentadas frente a frente, uma segurava um cigarro na mão direita enquanto roía as unhas da mão esquerda. A outra gesticulava e falava imenso sobre coisas que nunca tinha visto, sobre pessoas que provavelmente nem existiam, mas que ela gostava de acreditar que eram mais que a sua iamginação. Ambas acreditavam nessas coisas, quase em segredo e numa cumplicidade que se iria revelar aos poucos.
-Uma lareira, um livro e um ombro onde encostar, é pedir muito?
Riam. Mesmo quando o tom da conversa não parecia o mais recomendado. Pelo modo como falavam pareciam compreender-se. Havia nos seus olhos alegrias de meninas que cresceram depressa sem pedir mas que mesmo assim não o queriam parar de fazer.
Queriam sem saber, ser como os livros de que se gosta. Queriam passar devagar e com gosto pelas mãos, queriam que as suas palavras fossem compreendidas como se fossem poesia, verso em branco- diziam. E quando esse livro acabasse queriam deixar saudades nas mãos e no espirito de quem as teve.
Passado bastante tempo de estarem ali sentadas, um empregado aproximou-se para apontar os pedidos:
- Um chá de limão, um carioca.....e duas tostas!
Já estavam ali há tempo demais mas talvez por serem desajustadas ao lugar, ou não adolescentes, ninguém parecia notar a sua presença.
Conversavam sobre relações com prazo de validade, sobre pessoas demasiado importantes e sentimentos perigosos, sobre literatura de ombro que deve ser digerida a dois e com chá quente.
Apesar de estarem ali esquecidas, numa margem entre fumadores e não fumadores que é o mesmo que dizer, no limiar entre os adolescentes e os jovens adultos que frequentavam o lugar, os pedidos lá chegaram à mesa.
Carioca de limão com conversas sobre cinema e peças de teatro, tostas com desejos para o futuro, gafes no português e momentos esperados, chá de limão com pessoas simples e pessoas sensíveis.
Uma delas, de tempos a tempos, folheava o velho caderno e rabiscava umas coisas. Tinham as duas a mania dos cadernos e dos momentos imortalizados em palavras, assim como os desenhos sem sentido. A outra agarrava no telemóvel, uma vez e outra, para controlar o tempo que faltava para o autocarro ou para responder a uma conversa paralela que se intrometia entre elas.
Fumaram juntas aquele a que chamavam o "cigarro perfeito", momentos que dividiam muitas vezes e em que aquele ritual parecia fazer sentido.
Não chegaram a conclusão nenhuma sobre as suas vidas, talvez tivessem descoberto que o atendimento ali era mau e que não eram mais adolescentes,ou talvez ainda o que era uma relação à francesa, mas nada mais que isso.
Aquele era apenas mais um momento para cigarro perfeito, o carioca de limão e uma boa conversa e isso chegava.