quinta-feira, novembro 26, 2009

Lembrar para doer



Esqueço.

Eu.

que aquilo que brilha lá fora é o Natal.

Esqueço.

Eu.

que aqueles que dormem na rua são na verdade os livres.

Esqueço.

Eu

que as coisas que acontecem cá dentro não são mais que irreflexões dos sentidos.

Esqueço.

Eu.

que o barulho que se ouve na rua são na verdade passos ausentes.

Esqueço.

Eu.

que as caras conhecidas serão um dia rostos perdidos.

Esqueço.

Eu.

que o calor que aquece o tempo será o frio que me despe o corpo.

Esqueço.

Eu.

que as palavras penduradas no vazio nunca chegarão a ser Poesia.

Esqueço.

Eu.

que as palavras são punhais apontadas ao meu peito.

Esqueço.

Eu.

aquilo que teimo em lembrar.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Chuva de Inverno

Continua a chover lá fora. Ainda não parou de chover hoje. Gostava que as coisas fossem diferentes. Não o tempo lá fora, que não é mais de uma extensão daquilo que sinto. Apetecia-me chorar desesperadamente, até secar tudo aquilo que existe cá dentro. De todas as dores que já fiz sentir, esta é a que me dói mais. Aquela que vejo doer mais.
Uma ferida sem corpo,
uma dor sem comprimento
e um espaço colossal entre as almas
um espaçamento entre duas pedras na calçada
um buraco suficientemente pequeno
e forçosamente grande para poder partir uma perna
e destruir uma pessoa inteira.
Nem por isso parou de chover. Da janela vejo lá fora as coisas molhadas, desfeitas e sem graça. Não dá vontade de sorrir é verdade. Ainda assim eu sei que faz parte do tudo. Depois dos erros, a reflexão e a limpeza. É por isso que choramos, não porque estamos tristes, nem magoados, nem mesmo porque sofremos, ou porque nos sentimos fracos, uns nadas. Choramos porque a alma precisa de ser limpa, de voltar a adquirir a nossa forma, de mostrar que nós não somos o ser amachucado e disforme em que nos tornaram, que somos mais. Mas custa sempre a tirar os vincos do linho, custa sempre imitar o traço das mãos do génio, custa sempre um dia de chuva sem parar. Mas ainda assim eu sei que um dia vai passar, que vai parar de doer, que as pessoas vão andar impecaveis de novo, com a alma nas costuras certas do corpo. Gostava de ver essas pessoas sem alinhavos já. Mas a vida ensina-me a ser paciente.
E chove. Até fazer sol.

sexta-feira, novembro 20, 2009

Um chapéu para quem o quiser meter.

-Pela boca morre o peixe.
Tantas vezes me disseste que eu me afastava e voltava a encostar quando precisava, frizando sempre que um dia não ficaria lá ninguém para me amparar a queda. Tantas vezes me disseste que era uma criança mimada viciada em sonhos, que não pensava, que me deixava levar demasiado pelo coração. E eu que sempre olhava para ti como se fosses uma força maior, alguém que pensa imenso e nunca vacila. Alguém que a vida crua tinha feito forte demais para um mundo que nem sempre tem a consistência certa. Eu admirava-te por isso: por não te deixares levar, por saberes que os sonhos acontecem com porporções certas, por teres sempre a palavra certa para cada momento. Ainda te conseguia admirar por saberes dar as belas das chapadas sem mão como ninguém. Pelos olhares, pelas palavras, pelos gestos.
Um dia disseste-me que não podia partir e voltar quando quisesse. A presença sempre tão valiosa para ti. E eu ia-me deixando estar, partindo somente durante instantes para não estranhares a minha falta.
Sabes o que odiava mais no meio disto tudo? Quando afincavas o silêncio por orgulho e esperavas que eu desse o braço a torcer. Eu sempre foi uma marioneta na mão de quem gostava.Quando em certas alturas te tornavas escuridão para quando eu procurasse de novo a tua luz, tu me apontares o foco para os olhos.
Isto faz-me lembrar os miudos pequenos que nas suas mil e uma brincadeiras têm a mania de dizer "Eu disse primeiro". Tu és o meu "disse primeiro", porque a apressada pergunta, vagarosa resposta e eu sou tão tola que nunca tenho resposta certa para ti.
E tudo se fica por aqui.
Estou farta de não ter respostas ou de as ter curtas. Estou farta de não ser sentida porque há fartura. Estou farta de ser posta de parte porque pareço atrapalhar o que negas existir.
Não sei bem o que isto significa, mas tou farta de levar e nunca dar.


As palavras voam, a escrita fica.

domingo, novembro 15, 2009

Abismo


Só mais um passo.
Só mais um.
Que eu preciso cair de novo.
Destruir a alma inteira de uma só vez.
E com a enorme dimensão da dor,
Deixar que seja mais eu,
Aquela que teima em rir quando chora.
Só mais um passo.
Só mais um.
Que a paisagem em frente,
Só esconde mais o abismo.
Resta pensar que será por amor.
Os efeitos secundários da poesia.
Abandono os poderes do dedo que adivinha.
Que o mundo não pára de girar.
Quando cair de novo,
Procurarei em ti uma mão para me agarrar.
Vá,
Só mais um passo.
S ó m a i s u m
d o i s t r ê s q u a t r o c i n c o e t e r n i d a d e.

terça-feira, novembro 10, 2009

Eu pensei.

E eu pensei, que quando te agarrei
com as duas mãos com toda a força
contida no meu corpo,
te tinha arrancado de vez da minha vida.
Eu pensei que nunca mais me ia lembrar,
nem mesmo quando ouvisse alguem na rua
a tocar guitarra e a cantar musicas de outros tempos,
nem mesmo quando passasse nas ruas que me falam,
nos sitios que fizeram sentido. Eu juro que pensei.
Mas nada cala o vazio que ficou a vacilar-me a fraca
estrutura, nada me fala mais do que as palavras que
ficaram ainda embrionarias dentro de ti.
Até mesmo quando algo palpita cá dentro iluminado por
outro rosto, eu pensei que era de vez, mas aquilo que os
meus olhos vêm é diferente do sorriso que o
meu coração percepciona.
Ainda assim, eu pensei.

sexta-feira, novembro 06, 2009

Continuidade.

Há minha volta acontecem coisas. Coisas que nem sempre consigo entender, palavras que custam a ouvir e outras que custam mesmo a dizer. Ainda assim, tudo o que acontece acrescenta uma rotação nova ao mundo das coisas. E todos os dias, depois de ver e ouvir histórias que nem sempre entendo, consigo esboçar um sorriso e pensar que foi só mais um dia que passou.