quinta-feira, outubro 23, 2008

Sinceridade - carta de suicídio.

A minha vida pode ser resumida como um conjunto de problemas que tive de resolver, mesmo sem querer. Não é minha intensão escrever uma carta que vos esclareça, como se tivesse enumerado todos os motivos. Nada disso. Amanhã morro e pouco haverá a fazer para me despertarem de novo. Tenho a certeza que mais uma vez vou tomar a decisão certa.
Gostaria hoje de declarar um conjunto de acontecimentos do meu quotidiano que me fizeram encurtar um caminho que deveria completar até ao final. Mas na verdade qual é objectivo de levar uma vida até ao fim? aos que sentem afecto à sua condição de mortais lamento dizer que, apesar de não ter morrido ainda, nada há a temer na morte. Vi isso nos olhos de todos aqueles que vi morrer.
A minha vida vai terminar e mesmo assim sinto remorços de permanecer vivo na memória daqueles que ainda verão na minha cara traços de alguma familiariedade. A esses, suplico que abandonem as minhas memórias e me deixem embarcar finalmente da verdadeira transcendencia.
Despedi-me da minha familia ainda novo. Desde que nasci que desejo acabar com tudo, mas a maldita da vida impediu-me sempre dando-me que fazer. Tudo começou com a minha mãe. Depois de algumas complicações durante o parto, a pobrezinha não resistiu e abandonou-me a mim e aos meus seis irmãos. Toda a familia ficou infeliz excepto eu. Eu sim, fui o melhor que aconteceu à minha mãe livrei-a de uma vida de sacrificio e trabalho. Pouco tempo depois despedi-me do meu pai e dos meus dois irmãos mais velhos. Por não ter força suficiente para segurar a corda durante a limpeza do poço, deixei cair as pedras e o lixo que tinha nas mãos em cima do meu pai. Os meus irmãos foram vítimas de um acidente. Sim, fui eu que os matei. Sempre senti que os meus dois irmãos eram infelizes. Trabalhavam dia e noite para ajudar o meu pai, que por sua vez passava os dias a embebedar-se e a bater nos filhos. Eu também apanhei muitas vezes. Mas ele levou a pior. O corpo morto e enorme do meu pai a cair em cima do suporte onde estavam os meus dois irmãos, eles os tres dentro de àgua cobertos com coisas que lhes levavam o corpo para baixo, mesmo até ao fundo do poço. Nunca esquecerei as suas caras.
Hipocritamente, os meus quatro irmãos ficaram desolados com a notícia. Nunca suportei gente hipocrita e por isso senti que devia lutar contra o sentimento mesquinho que era o deles. Resolvi assim vingar todas as falsas lamentações e acima de tudo, o facto destes não mostrarem qualquer tipo de agradecimento à minha pessoa. Desejava morrer mais que tudo, mas a vida, mais uma vez, obrigava-me a tomar medidas pelos que iam ficando.
Sim, fui eu. Tranquei a minha irmã dentro do forno de onde toda gente da minha familia comeu pão. E continuaram a comer, o pão e os restos dela. Um a um. A minha irmã desapareceu misteriosamente logo após o acidente. Andou a lamentar-se por aquela desgraça durante meses, passou dias a chorar na beira do poço, não aguentei e resolvi acabar com aquilo. Os meus irmãos~não compreendiam o porquê dela ter desaparecido, e eu apenas lhes disse: Vamos comer o pão que o diabo amassou. Estamos todos condenados pela vida.
Eramos apenas quatro à mesa agora. Gente viva sem motivo, pessoas a mais que me incomodavam, não queria morrer com assuntos inacabados. Não podia deixar aqui pessoas condenadas à morte, sangue do meu sangue, a viver uma vida errante à procura de objectivos e motivos para prolongarem a vida a um infinito inexistente.
Uma vez um dos meus irmãos perguntou-me porque é que eu tinha esta atitude tão derrotista com a vida. Apenas lhe respondi que não nasci para trabalhar até morrer, não nasci para fazer pessoas felizes e levar estalos como resposta.
No dia em que a minha mulher me disse que estava grávida fiquei fora de mim. Ela tinha feito com que atentasse contra as minhas convições. Convidei-a para colher flores flores numa tarde quente de verão. Foi descoberta por uns homens dois dias depois junto ao rio. Todos lamentaram que uma mulher tão nova e grávida tivesse um final daqueles. Dei-lhe tudo o que desejava. bati-lhe com uma pedra na cabeça e afoguei-a no rio juntamente com as flores que tinha apanhado, ela sempre me disse que queria morrer no campo. Não importava como, mas no campo. Libertei a minha mulher de um peso enorme que é condenar mais uma vida e ao mesmo tempo consegui liberta-la de existir. Os problemas somos nós e amanhã de manhã eu serei apenas um corpo numa casa vazia.
Da minha familia, sangue do meu sangue, ninguém mais causará problemas, ninguém tentará dar um novo sentido à existencia, apenas eu, corpo frio com um tiro na cabeça. Só eu tive o discernimento de adoptar um comportamento inteligente dando sentido à vida daqueles que me rodeavam.
A minha irmã que restava morreu em casa com toda a sua familia por causa de um acidente de gás. Todos disseram que Deus estava comigo porque naquela noite me senti enjoado e resolvi apanhar ar. O ar que apanhei foi de facto, o ar que saía da casa após eu ter aberto todos os bicos do fogão. Todos jaziam tranquilamente nas suas camas quando dei o alerta pela manhã.
Restavam apenas dois irmãos e se um deles não tivesse problemas de coração de certeza que ainda estava vivo após eu ter desabafado com ele.
A vida obrigou-me a estar farto de viver. quero acabar com tudo rapidamente, desejo a morte mais que tudo na minha vida.
Amanhã de manhã tudo terá finalmente um destino favoravel. O meu irmão a ser morto na aldeia vizinha e eu com esta carta entre a minha cabeça e a ponta da pistola.

3 comentários:

Fipa disse...

a inteligencia de um serial killer, na inexistencia da vida...
sim senhora...lol não esperava este registo vindo de ti,m de uma maneira inadequada ate que gostei.
=)

Joaolsd disse...

crimes exemplares: i don't need a cure a need a final solution

susana disse...

É "o" texto. Não há sadismo, há humor negro. Genial.