Saiu de mansinho para não a acordar. Ela estava na cama deitada de barriga para baixo e com um pé de fora. Espreitando da cozinha, só lhe conseguia ver o pé direito com as unhas pintadas de vermelho. Bebia café lentamente, enquanto pensava na noite anterior. Aquela tinha sido a noite por que sempre tinha esperado. Amava-a mais que tudo no mundo, desde que se tinham conhecidos ainda em crianças. Havia uma cumplicidade entre eles que o deixava muitas vezes paralizado e descrente da possibilidade de tal sentimento. Tinha medo que aquilo fossem sintomas da paixão, aqueles que desaparecem passado algum tempo porque as pessoas se despem e perdem as capas. Mas com ela tudo parecia diferente. Era um sentimento avassalador. Quando via o seu sorriso de felicidade por estarem juntos, sentia o mundo parar. Ela tinha o poder de o alienar de tudo o que acontecia à sua volta. Achava-se capaz de beija-la horas e horas seguidas, de passar dias inteiros na sua companhia, de passar o resto dos seus dias a conversar, no entanto tinha medo. Uma medo que não sabia explicar, uma insegurança que era o sentimento oposto ao que ela o fazia sentir.
Quando ela lhe bateu à porta, ele esperava o homem da pizza. Tinha ligado à meia hora e a entrega já estava atrasada. Abriu a porta com a carteira na mão e ficou a olha-la surpreendido. Ela abriu o seu sorriso ao mundo, ao seu mundo e agarrou-se a ele num abraço de cumplicidade. Quando o homem da pizza chegou o abraço teve forçosamente de terminar.
- Jantas comigo...
Jantou, fumou um cigarro na varanda, conversou de pernas enrroladas no sofá e beijou-o. Como se fosse a primeira vez, como se o mundo se desiquilibrasse e todo o amor lhes caisse em cima. Amaram-se mesmo ali, na suspensão temporal daquele sentimento. Não prometeram nada um ao outro, mas em segredo ela jurou ser feliz para sempre e esquecer todas as inseguranças. Ouviu um telemóvel a tocar e despertou de repente. Da cozinha alguém atendia:
- Bom dia amor! Como estás?
8 comentários:
Medos, inseguranças, amores cruzados, amores perdidos sem nunca terem sido realmente nossos!
Simplesmente belo o texto =)*
Lindo,o texto,e tu deste-lhe o título perfeito :)
=)
Chamo a isto a cumplicidade ... é como se os momentos de amor e felicidade se sublimassem naquele telefonema duma divisão da casa para a outra.
É isso que em cumpliciato faço com a minha mulher.
Não será assim o mais rudimentar do amor?
Belo texto, onde, apesar de 61, reveso uma vida ...
Obrigada por mo ter recordado.
Gostei muito, Joanne! Boa.
se o amor cai em cima ~
se ~
beijO
Foi ao ler o final do teu texto que vi parte do meu passado e do meu presente também. E soube-me tão bem.
(obrigado por teres passado no meu cantinho :) Tenho de explorar o teu cuidadosamente)
também gostei...
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