quarta-feira, abril 16, 2008

Ciclo vicioso


Estava sentada no sofá e fumava um cigarro. Pensava na vida. Pelo menos ela pensava que estava a pensar na vida. Estava alienada de tudo naquele momento devido ao que tinha fumado com os amigos na jardim em frente à sua casa. Os amigos, o jardim, os olhos vermelhos, a droga escondida no bolso, o furo no nariz, e os sorrisos. Nunca imaginou que a sua vida pudesse mudar tanto num ano só, mas o facto é que mudara imenso.
Os amigos eram parte importante da sua vida. Era com eles que bebia os cafés intermináveis depois do almoço, era com eles que falava de discos e de livros. Foram eles que a incentivaram a escrever poemas que eram lidos de barriga para o ar na relva do jardim frente à sua casa. O jardim era uma espécie de habitat onde eles se concentravam horas a fio, mesmo que não houvesse assunto, discos, livros ou poesia para conversar. Talvez por falta de assunto alguém trouxe a droga no bolso para ver o que acontecia. E aconteceu, muitas mais horas a rir sem parar de tudo, a falar de nadas que pareciam tudo, a contar o que não se tinha coragem, a criar laços transparentes entre eles ou baços,caso a memória do dia anterior persistisse. Foi numa dessas tardes animadas com droga no bolso que foram todos ao bairro alto fazer o piercing no nariz. Era um sonho desde sempre. De um sempre recente que não sabia ao certo onde tinha começado. Nesse dia quase todos fizeram qualquer coisa para satisfazer as hormonas ainda adolescentes e já cheias de estimulos.
Finalmente sou quem sempre quis, pensara. Estudava ainda para não ouvir o sermão dos pais, que cegos, nada viam mudar à sua volta. Fotografia é uma área bonita, dizia a mãe. O pai não dizia nada, vivia ausente afogado no copo do whisky que já tinha uma marca permanente na mesa da sala. Também ela bebeu muitas vezes das garrafas que encontrava escondidas na sala e na cozinha. Também ela se ausentava por minutos da vida, da sua vida, enquanto observava detalhadamente o comportamentos dos outros. Sorria. Sorria sempre que via alguma coisa de extraordinária como os sentimentos. A sua poesia era feita dos seus momentos ausentes e da vida dos seus amigos deitados na relva do jardim de barriga para o ar e com a droga no bolso.
O cigarro apagou-se pendurado na mão enquanto as cinzas jaziam no seu colo. Adormecera, cansada do ciclo vicioso da vida.

6 comentários:

Fipa disse...

pode ser um ciclo vicioso, m amizades vividas axim sao fixes, enxem-nos a alma =) nem k sirvam pa apagar acontecimentos menos felizes =)

Jaime disse...

Gosto destes teus textos, porque fazem pensar nas relações que mantemos com os outros. Conseguiste descrever um certo ambiente de uma forma ao mesmo tempo verdadeira e não moralizadora. Como se de uma boa observadora se tratasse... Está muito bem escrito!

R. disse...

Rir sem parar.por tudo e por nada :) descrição perfeita,este texto.já lá vai o tempo :)

Um beijinho

xistosa, josé torres disse...

Tenho tido problemas no meu portátil.
Não conseguia abrir os comentários ... ia-me embora outra vez. mas lá apareceu a janela para a vida, onde podemos fumar, mas não adormecer ... a quedpode ser grande.
Eu falo assim com as teclas, mas há muitos anos que deixei de fumar, eram 5 maços de "Negritas" pequenos ... foram crescendo e passei para os grandes ... acabaram e comecei com SG Gigante, penso eu que eram assim, (maço vermelho).
Um dia, ia "pegar" ao trabalho no meu "estaminée", quando dei conta que eram 19.30H e que já não havia nada para queimar.
Disse para comigo, "Não fumo mais"

Eu que já tinha tentado não sei quantas vezes.
Foi até hoje ... já lá vão talvez 15 anos.

Merecia uma alegoria por um bom pianista o último parágrafo:

" O cigarro apagou-se pendurado na mão, enquanto as cinzas jaziam no seu colo.
Adormecera, cansada do ciclo vicioso da vida."

telma disse...

e voltou a acordar?
os teus textos fazem-me sonhar *

Anónimo disse...

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