Gostava de roer pêras, enquanto segurava com o indicador e o polegar, o pequeno pedaço que resta do tronco, e com a outra mão o pedaço mais distante daquele. Roía pêras enquanto lia histórias de pernas cruzadas. Era o seu jantar ideal. Pêras e Livros.
- Os teus livros são muito bons ao sabor das pêras. - era isto que um dia iria dizer, quando conhecesse a pessoa que lhe deixava sempre que acabava o livro que estava a ler, outro debaixo da Macieira que nunca tinha dado maçãs.
- A minha macieira não dá maçãs, dá livros. Livros deliciosos. - também iria dizer isto, entre todas as outras coisas que ia apontando com um canivete nas tábuas de madeira que cobriam o chão do seu quarto. Aquilo não era um quarto, era a casa das dúvidas. Dúvidas sobre os livros, sobre a sua vida, sobre a vida dos personagens, sobre os lugares do mundo que nunca tinha visitado, sobre a sua imaginação que crescia mais do que a sua idade.
A sua caneta era um pequeno canivete, com uma lamina muito afiada com que raspava a madeira já velha e seca, que tinha um cheiro a vazio e a pó, cheirava a fim de vida e estalava quando era pisada. As dúvidas acumulavam-se pelo chão assim como o pó sobre as estantes, e sobre as lombadas dos livros que tinham nomes em todas as linguas.
-Poucos foram os livros de que não gostei, todos foram os que me fizeram pensar, não detestei nenhum, muitos foram os que amei. - amava livros para encher a sua vida com a vida dos outros, para preencher a falta que lhe fazia aos olhos observar comportamentos humanos, vozes distantes, respirações junto à pele, e mais que um coração a bater.
Tinha um animal de estimação. Não era bem um animal de estimação, era um animal que a visitava frequentemente, aquele que nunca deixava de aparecer na estação do ano certa, aquele em que notava as diferenças que havia entre o seu mundo e o dos outros. Era um caracol castanho e verde, às riscas, que para ela aparecia umas vezes em casa grande, outras vezes com a casa pequena, com riscas largas, e no ano seguinte com riscas finas.
2 comentários:
Gostei mais do que sei dizer. Gostei mesmo muito. Importas-te que te visite?
Um Abraço do chão da rua ao tecto da rua (esta pinderiquice foi inventada por alguém antes de mim, eu só cito tal cavalheiro - sim, era um homem).
O aroma a passado e melancolia desprende-se das tuas palavras. Ou então fui só eu que achei isso...
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