segunda-feira, março 19, 2007

Na noite


Era noite e apenas se ouviam os passos que iam ficando para trás, enquanto avançava no tempo e nos momentos. O vento soprava sem nenhum murmúrio agregado, e fazia com que os olhos se abrissem ainda mais, abriam-se para a escuridão que descia em estado líquido pelas paredes,e que cobria o alcatrão negro do caminho. A lua estava acessa, mas mínguava tal como as suas vontades de ver fosse o que fosse. Estava frio, e por isso escondia as mãos nos bolsos, não por isso, mas pelo medo de um tocar sentimental que envolvesse toda a sua existência. De mãos nos bolsos pisava a noite sem destino,sem nada que conduzissea sua pessoa a algum lugar, ou a lugar nenhum. Não havia um rumo, mas havia muitas ideias que baloiçavam como que nos fios de cabelo, para cá e para lá, ao compasso dissonante do vento. Ali repousava naquele caminhar, tal como sempre, tal e qual todos os dias, as ruas estavam húmidas e o que restava da lua criava um cenário de espelhos que reflectiam a sua mentira aparente, o seu corpo imundo do mundo, da sua alma suja. Não olhava os espelhos, não queria conhecer a figura que se encontra por de trás do reflexo.
Como uma espécie de passageiro da noite segue em busca de qualquer coisa, não de uma coisa qualquer, conforto, calor, carinho, carência, castigo, cartas, uma casa. Observa a sua cabeça por dentro, mistura as imagens vividas, com as imagens por morrer; tem um frasco dentro da cabeça que contém uma figura alada e incipiente. É a esse ser que dá atenção, é a esse ser que cruelmente tira as asas ao anoitecer, enquanto ri sem parar criando uma alienação da sua realidade, entrando no outro mundo que também é o seu.
Agora trás consigo essa figura, que dentro de uma melancolia eterna chora lágrimas com dor. É àquela miudeza que que mostra a escuridão da noite, a solidão, enquanto vazio de emoções segue somente por seguir o caminho, a que a noite o conduz.
Sente-se livre de tudo, da crueldade de viver, da dor que queimou não no peito, mas no corpo por inteiro, da alquimia com outros distantes, da experimentação megalomana dos sentimentos. Finalmente, no final do dia é livre e não é nada, simplesmenta nada e invisível, no silêncio e no escuro da noite. Ouve sem parar o barulho daquele pequeno corpo que, dentro da garrafa bate com os punhos no vidro por não conseguir voar. Sem asas, coloca nas mãos do ser que tem dentro de si, uma arma fria e carregada, pronta a disparar.
Há uma explosão de adrenalina, hoje alguém vai ser tudo, hoje alguém vai ser livre e voar pelas próprias asas.

2 comentários:

Maria disse...

'hoje alguém vai ser tudo'
E talvez isso faça ponte com a loucura. A mesma que nos faz ficar à margem dos outros, mas com um gosto de liberdade na língua.

Gosto do teu espaço. Vou voltar para me perder...

Maria,

***

susana disse...

Uma borboleta eclodiu.