sábado, março 17, 2007

Dá-me a tua mão para que possa criar em mim uma ilusão de sentir-te. Deixa que os meus dedos se interlassem nos teus criando uma força inerte e invisível, uma barreira às coisas que são más, e às coisas que não o são.
A ilusão de um sentimento casto e irrefutável turva-me os sentidos magoa-me a existência de mim mesma. A ilusão faz-me doer a cabeça. A dor dá-me a vida que os sentimentos me tiram, os bons sentimentos, as coisas realmente importantes que não sei definir em palavras, por, talvez, não terem na sua realidade, importância nenhuma.
Há uma força em mim que puxa cá para fora, que desmembra de mim, pequenos pedaços e os deixa soltos, como papéis ao vento. Força essa que me cria a esperança de um dia me sentir realmente viva, sem nada entro de mim, e com tudo à minha volta.
Um dia quando morrer quero-me transformar em pequenas cartas, de amor, de suicidio, de despedida, de revolta. Cartas que nunca foram entregues, cartas sem destinatário, cartas por terminar, palavras sinceras, fortes e poderosas, carregadas de uma energia destrutiva. Mas não serão apenas cartas, serão pessoas, as que não tem mãos para dar forma às letras, aquelas que escrevem na cabeça linhas e linhas, histórias só delas, buracos de uma existência sem corpo, sem realidade.
Quando morrer, serei livre do fardo que carrego em mim, os segredos dos outros que me habitam serão finalmente revelados, e todas as histórias terão um fim igual ao meu.
Vou escrever sobre pessoas, umas verdadeiras, outras verdadeiras mas não reais. Vou estudar os livros que os outros trazem nos olhos e nas mãos, ver-lhes a essência de existir, já que eu não o faço. Não consigo ser una, não consigo ser só eu, há sempre uma multidão dentro de mim. Uns que choram, uns que são maus, e poucos outros, que se transformam numa mentira negando a sua presença através do meu sorriso.
São eles que escrevem todas as cartas, sem mãos, só com a cabeça. Eles que são o meu todo, por completo, eles que não tem corpo, e que me usam a mim para escrever cartas sem remetente, cartas que escrevo com as minhas mãos em sofrimento, enquanto despejo a alma.

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