I
Quando chegou a portugal todas as ruas lhe pareciam pequenas demais. Começou por pensar na claridade, na luz ofuscante vinda do sol a que nada se compara a luz do sol do seu país. Pensou que talvez nunca se fosse habituar a essa luz que irradiava de todos os lados, principalmente da calçada portuguesa, da branca tanto como da preta.
O pouco que conhecia de Portugal tinha-lhe sido contado pela avó materna. A avó apesar de passar maior parte do tempo em Nova York não desperdiçava qualquer oportunidade de viajar até Lisboa durante uns bons meses. Quando era mais pequena chegou a vir de férias com ela, mas a unica coisa de que se lembrava era de um jardim com um cedro enorme que pensava não existir mais.
Foi a sua chegada ao Princípe Real que despertou a memórias de quando era pequena e do Verão que aqui tinha vivido. Afinal a àrvore ainda lá estava, apesar de lhe parecer agora mais pequena.
Tinha sido a morte da sua avó que a tinha trazido de novo a Portugal. Além de querer reviver alguns dos momentos que ali tinha passado com ela, pertencia-lhe agora a chave da velha e empoeirada casa no bairro alto. Já tinha ouvido falar muito daquele lugar e de como a vida nocturna ganhava ali um novo sentido para gente jovem como ela.
Ao encontrar a porta, pequena e verde, com uma janela de onde não dava para ver nada, soube logo que era ali. Conseguia ver a sua avó à janela a admirar as portuguesas que falavam alto de janela para janela. Lembrava-se da miscelania de roupa nos pequenos estendais que pingavam para cima das cabeças de quem passava. Hoje havia pouca roupa nos estendais e metade das janelas pareciam adormecidas há já muito tempo.
Rodou a chave na fechadura e a porta abriu-se mostrando uma enorme escuridão que contrastava com a claridade da rua. Parecia que também ali muita coisa tinha morrido.
Entrou e deixou as malas a segurar na porta enquanto foi à procura de algo que a pudesse iluminar no reconhecimento da casa, arrastando apenas consigo o velho saxofone.
Abriu as janelas todas do andar de baixo e só ai se apercebeu que existiam umas escadas para cima. Subiu sem pensar e encontrou o primeiro andar como uma casa-museu.
Pelo que observava. ou a sua avó dedicava imenso tempo as actividades artisticas, ou ali já tinham vivido muitas pessoas diferentes, com hobbies de todos os géneros. Sentou-se no quarto que pertencera à sua avó para pensar um pouco, no que poderia fazer com aquela casa enorme que agora era dela e o que iria fazer primeiro.
Tinha duas cozinhas, seis salas diferentes, oito quartos que poderiam ser desfeitos e aproveitados como estudios e ainda seis casas de banho. Muita coisa para uma americana a acabada de chegar ao país mais calmo do mundo como ela dizia.
Da janela tudo lhe parecia demasiado intacto, demasiado parado no tempo. Portugal sempre tinha tido essa imagem para si: um país parado no tempo. Como se ao chegar aqui, entrasse realmente no mundo da sua avó e ela estivesse de novo no seu quarto perdida no seu imenso guarda roupa.
Aquela era a sua oportunidade de começar de novo, a oportunidade certa para esquecer o que tinha ficado para trás e começar do zero. Enquanto se perdia cada vez mais nos seus pensamentos, kate olhou para a cómoda antiga da avó e viu um pequeno envelope amarelecido. Agarrou nele e tirou de lá de dentro uma carta, um manuscrito com mais de 10 anos, escrito da ultima vez que Amélia estivera em Portugal.
2 comentários:
aw, rendo-me perante este texto. *
Por vezes, passamos na rua por rostos, que nos parecem familiares.
Eu conheci a árvore, (era um cedro?), no Príncipe Real, na altura em que ainda podia ser um
príncipe, (não eu ...).
Talvez já tenham passado mais de 50 anos.
Também eram verdes as janelas, no Bairro Alto, mais propriamente na Rua da Rosa.
E a porta que me levava ao passado.
Faz bem recordar.
Não sou saudosista, mas o último envelope, continha fotos com 50 meus e mais 30 ... eram um ciclo que se fechava.
O tempo passou e acabou.
Só a Rua continua e o Largo, o cedro, nunca o conheci, apesar de saber que algo fazia sombra.
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